Aquando do lançamento de Um Método Perigoso, o mundo questionou-se se David Cronenberg, o mestre do terror e do excêntrico, se estaria a converter a um Cinema mais softe abrangente. A resposta chega como que em jeito provocador: You asked for it.
Cosmopolis, o mais recente filme do realizador canadiano, acompanha a história de Eric Packer, um jovem génio multimilionário que atravessa obstinadamente a cidade de Nova Iorque para cortar o cabelo.
Por esta altura, já todos os leitores se devem ter dado conta de que esta é muito mais do que uma jornada com fins estéticos, até porque, e perdoem o spoiler, o barbeiro deixa muito a desejar nos seus dotes com a tesoura.
Cosmopolis é um inebriante retrato da alienação num mundo onde, vertiginosamente, tudo – dinheiro, relações, vida e morte - perde sentido. É horror americano do século XXI, que encontra no cyber capitalismo o seu bicho-papão, e numa odisseia definida por encontros pontuais a sua forma.
Todo o filme se sente carregado de uma tensão que antevê o fim dos dias, algo que Cronenberg sempre provou dominar como se de um animal domesticado se tratasse. A parábola pós-capitalista representa de alguma forma um regresso ao passado para o realizador, numa espécie de inversão luxuosa de eXistenZ (1999).
A natureza experimental limita a maximização da potência das mensagens que se quer fazer passar. O diálogo é uma renúncia assumida ao realismo: ornamentado e poético, coloca inúmeras questões que são apenas respondidas com indiferença ou outras questões. E valorizar em todos os momentos o simbolismo em nome do enredo tem o seu preço. Cosmopolis é, por isso, um filme intelectualmente desgastante.
A essência fria, quase robótica, e a recitação monocórdica de Robert Pattinson estão de acordo com a abordagem de Cronenberg, mas o jovem ator britânico não deixou de ceder a alguns dos seus mais impetuosos tiques, enquadrando-se no personagem com mais ou menos destreza, de acordo com quem partilha o ecrã. Os seus 22 minutos ao lado de Paul Giamatti(que é responsável pelos traços mais humanos reconhecíveis na obra) são manifestamente os mais bem conseguidos. Numa conferência dada ontem no CCB, David Cronenberg justificou a escolha de Robert Pattinson para o papel principal dizendo que era “barato, estava disponível e obedecia bem a ordens”. O ator, que também esteve presente, levou à loucura dezenas de fãs que durante o dia se foram amontoando à volta do recinto na esperança palpitante de um vislumbre do jovem galã britânico.
Já a brilhante aparição de Mathieu Amalric no último ato, quase em jeito de cameo, deixa-nos a desejar que o terrorista das tartes de nata faça mais visitas ao cinema contemporâneo.
Pondo a questão em pratos limpos: havia duas formas de fazer Cosmopolis: torná-lo numa espécie de thriller mais convencional e mainstream, ou fazer dele uma espécie de colagem estilística da obra que o suporta, sacrificando sobretudo convenções de argumento. A escolha de Cronenberg é clara.
E mesmo que seja impossível decifrar na íntegra as mensagens e que seja, na sua base, um exercício impenetrável, Cosmopolis não deixa de se impor como um reflexo de uma equação civilizacional pronta a explodir, e uma sumptuosa discussão de ideias que são importantes demais para o nosso século para serem varridas para debaixo do tapete.































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